A contribuição que o sistema capitalista tem dado para o desenvolvimento econômico e social das nações completa mais de 200 anos desde a Revolução Industrial. Após a Segunda Guerra Mundial, dois modelos disputaram a hegemonia no mundo: o modelo capitalista norte-americano e o modelo socialista soviético. A queda do muro de Berlim mostrou o fracasso do modelo soviético, que mais se aproximava de um capitalismo estatal do que do sonho socialista do século XIX.

Fundador do Whole Foods Market, uma “startup” do início dos anos 1980 que hoje vale mais de US$ 20 bilhões na bolsa de Nova York, John Mackey afirma em seu livro “O Capitalismo Consciente”: “Ao longo da história, nenhuma criação humana exerceu maior impacto positivo sobre tantas pessoas e com tamanha velocidade como o capitalismo de livre iniciativa. Sem dúvida, trata-se do maior sistema de inovação e de cooperação social já criado, pois proporcionou a bilhões de pessoas a oportunidade de participar da grande experiência de ganhar o próprio sustento e encontrar sentido existencial por meio da criação de valor para os outros”.

Mas nas últimas décadas esse poderoso sistema de geração de valor passou a sofrer distorções como a distribuição injusta de seus resultados majoritariamente para apenas um dos fatores de produção do sistema: a remuneração dos executivos, que representava 42 vezes da média de toda a folha salarial da empresa em 1980, e passou a representar 525 vezes no ano 2000. Essa distorção passou a afetar a visão temporal dos investimentos e da aversão ao risco das empresas, para gerar benefícios de curto prazo para seus executivos.

Modelo não contribui para a geração da riqueza, obtida com bons investimentos, que criam empregos na economia
A quebra do Lehman Brothers, em 2008, o maior desastre financeiro desde 1929, fez com que o governo dos Estados Unidos tivesse que dispender US$ 1 trilhão para evitar a quebra do sistema financeiro mundial; mesmo assim, provocou a maior recessão das últimas décadas, com resultados desastrosos para vários países. A alavancagem da instituição aumentando sua exposição ao risco pela utilização de títulos hipotecários e seus derivativos num mercado imobiliário que já apresentava indícios de uma “bolha” de preços não inibiu seu principal executivo de reclamar seu bônus de US$ 100 milhões – mesmo tendo ele provocado a quebra do Lehman Brothers.
A esse modelo poderemos chamar de capitalismo destrutivo. Ele nada contribui para a geração da riqueza, fruto dos lucros obtidos com bons investimentos de longo prazo, que são também responsáveis pela geração de empregos na economia.

No Brasil, recentemente, temos presenciado também exemplos de capitalismo destrutivo. O caso da Petrobras, vítima de um processo de corrupção nunca visto antes em tal escala na história do Brasil, levou a péssimas decisões de investimentos – que, por sua vez, contribuíram para prejuízos muito maiores para a empresa. Isso me faz recordar um ex-ministro brasileiro: quando lhe apresentavam péssimas propostas de investimento, dizia em tom jocoso que “é melhor pagar a comissão de 10% e não fazermos o investimento”.
O caso da Samarco é outro exemplo de capitalismo destrutivo; aqui, pela má alocação dos elevados lucros – dos anos em que o minério de ferro esteve bem cotado no mercado mundial – para minimizar os riscos ambientais. Poderíamos prosseguir nessas citações de má distribuição dos lucros das empresas que beneficiam de forma assimétrica a mão de obra de seus executivos, esquecendo-se de que o lucro é resultado da contribuição de todos os fatores de produção da companhia: capital, dos acionistas e investidores, mão de obra, dos executivos e trabalhadores, tratamento com dignidade a clientes e fornecedores, e respeito ao meio ambiente.

Temos uma grande oportunidade no Brasil, num momento em que nossa economia demanda mais investimentos, sobretudo nas infraestruturas sociais e logísticas, para criarmos um capitalismo mais humano. Um capitalismo não-destrutivo, com distribuição mais justa dos lucros para todos os fatores de produção e com o uso do mercado de capitais como instrumento mais eficiente de alocação da poupança na economia.

O desafio é justamente este: o de que os participantes do setor, todos eles – sejam investidores, individuais ou institucionais, micro, pequenas, médias ou grandes empresas, autoridades reguladoras e/ou fiscalizadoras, bolsas ou plataformas de negociação, sistema de distribuição, bancos e gestores de recursos representados por suas respectivas entidades, públicas ou privadas – encontrem novos e relevantes rumos para o desenvolvimento do mercado de capitais do País.

Mas não é apenas o cenário econômico que apresenta uma excelente oportunidade de mudanças para o país. Desde o seu descobrimento, a sociedade brasileira é vítima de uma visão distorcida de governo – no período colônia, imperial ou republicano – marcada pelo furor arrecadatório do Executivo, de um delírio regulatório do Legislativo (e de seus funcionários públicos) e da, até aqui, notória impunidade da Justiça para os poderosos, como já clamava o padre Antonio Vieira em seus “Sermões”, no século XVII.
A Operação Lava-Jato, conduzida com firmeza pelo Ministério Público, Polícia Federal e Justiça, já vem mostrando uma perspectiva concreta da ruptura do pilar da impunidade dos poderosos, sinalizando para uma revisão no modelo político dos coronéis e a conscientização de controle de gastos – que livrará a sociedade da sanha de arrecadação do Executivo. Mais do que nunca, é chegada a hora do redescobrimento do Brasil.

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 26/01/16.