As lições e o aprendizado de Felipe Matos à frente do programa Startp-Up Brasil

startups; coworking (Foto: Photo Pin)

Quem empreende é o empreendedor. O ecossistema deve ter esse mantra (Foto: Photo Pin)

Via Revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios

Como empreendedor há 18 anos no setor privado, foi para mim uma experiência rica trabalhar por mais de dois anos do lado do governo, tentando apoiar o ecossistema de inovação. Não é tarefa fácil, considerando as diversas limitações regulatórias e burocráticas, em um ambiente onde a velocidade de decisão e a flexibilidade para a inovação são bem diferentes do vivido pelos empreendedores.

Ao longo dessa jornada, tive muitos aprendizados e também fui procurado por vários governos buscando incentivar o empreendedorismo localmente e podendo acompanhar, de diversas maneiras, a evolução de alguns projetos. A recente interrupção do programa Seed, programa do governo estadual de Minas Gerais, ainda que temporária, trouxe de volta  o tema. Compartilho aqui alguns aprendizados, com o objetivo de ajudar governos a lidar melhor com esta questão e as comunidades de empreendedores a lidar melhor com o poder público.

1. Não faça nada sozinho: o ecossistema funciona em rede
O conceito de ecossistema de empreendedorismo vem da ideia da ecologia do meio ambiente. Cada espécie precisa das outras para sobreviver. E existe um equilíbrio dinâmico entre os agentes. Governos, empreendedores, investidores, aceleradoras e incubadoras, universidades, grandes empresas, associações de classe e prestadores de serviço, todos têm um papel nesse ecossistema e qualquer ação isolada terá efeito bastante limitado. Toda iniciativa de apoio ao empreendedorismo deve ser encarada como uma iniciativa em rede.  No Start-Up Brasil, por exemplo, há mais de 30 instituições envolvidas diretamente no projeto, entre aceleradoras, ministérios, entidades de fomento, associações do setor e empresas apoiadoras. Dá mais trabalho, mas o resultado é muito mais efetivo. Essa rede também dá mais longevidade, credibilidade e legitimidade para a iniciativa.

2. O centro de tudo são os empreendedores: envolva-os nas  iniciativas desde o início, preferencialmente em sua liderança

Quem empreende é o empreendedor. Todo o ecossistema existe para apoiá-lo e servi-lo em sua missão de gerar novos negócios – e com eles, inovação e desenvolvimento. Parece óbvio, mas muitos programas não estão integrados com os empreendedores, não consideram sua liderança, nem mesmo muitas vezes sua voz. Brad Feld, fundador de uma das mais importantes aceleradoras do mundo, definiu, em seu livro Startup Communities, o ecossistema como sendo formado por leaders – líderes – e feeders –  o que poderíamos chamar de fomentadores.  Ou seja, a liderança desse ecossistema está com os empreendedores. São eles que precisam ser apoiados e que sentem as dores de se ter um negócio no Brasil.  Quando mais ouvidos e envolvidos estiverem os empreendedores, maiores as chances de sucesso. No Start-Up Brasil, um dos maiores fatores de sucesso foi a atração de um empreendedor reconhecido para ser diretor de operações do programa (que vem a ser este humilde autor que vos fala). Isso trouxe credibilidade e legitimidade ao programa, quebrou barreiras iniciais e atraiu parceiros importantes.

3. Muito cuidado com o “ego-sistema”
Colaboração é a palavra chave de todo ecossistema bem-sucedido. Fácil de falar, difícil de fazer. A vaidade e a disputa por visibilidade e poder podem transformar um ecossistema em um“ego-sistema”, atrasando seu desenvolvimento. Isso é problemático especialmente com governos, que, por sua natureza política, querem sempre tomar o crédito pelas ações  e iniciativas. Porém, se elas precisam ser feitas em rede, o crédito nunca é – ou não deveria ser – só do governo. O risco é que querer trazer as  ações sempre para si, diminuindo a adesão de outros agentes, o efeito de rede e afetando a própria credibilidade da iniciativa, contribuindo para seu insucesso.

Outro problema comum no “ego-sistema”  são iniciativas concorrentes. Ao ficar competindo entre si, perde-se força, gasta-se mais dinheiro e os resultados se fragmentam.  Quanto menos “dono” tiver uma iniciativa, mais chances cada uma terá de prosperar e, paradoxalmente, mais reconhecimento os agentes envolvidos terão. Se você quer ser reconhecido por apoiar o empreendedorismo, foque na entrega de resultado em vez de tentar aparecer. O reconhecimento virá como consequência de forma forte e legítima. Confesso que essa talvez tem sido a lição mais difícil de implementar na prática e, talvez por isso mesmo, seja uma das que mais pode gerar impacto positivo.

4. Entenda o estágio e necessidade do seu ecossistema local: estágios diferentes exigem ações diferentes
Existem várias fases do empreendedor e seus empreendimentos, desde o estágio da ideia até a expansão. Cada fase demanda do empreendedor conhecimentos e recursos diferentes. É importante entender em que nível de maturidade está seu ecossistema local para direcionar as iniciativas às necessidades dos empreendedores. Uma iniciativa única dificilmente irá suprir demandas em todos os estágios.

Um estudo do Sebrae, em parceria com diversos agentes do ecossistema nacional, inclusive o Start-Up Brasil, apontou cinco fases de empreendedores de startups: T0 – Curiosidade, T1 – Ideação, T2 – Operação, T3 – Tração e T4 – Estrela. Nas duas primeiras, ainda não existe uma empresa, mas a curiosidade em empreender e o processo de ideação e pesquisa do novo negócio. As duas seguintes são fases de iniciar a operação e ganhar tração para então atingir a fase de crescimento acelerado. Cada fase possui necessidades diferentes, que podem ser supridas com conteúdo, conexões, ferramentas, capital e outros incentivos. E muitos desses incentivos já existem e podem ser impulsionados, como vamos ver no próximo item.

A lógica do Start-Up Brasil foi trabalhar com startups já em operação ou tração, provendo capital e suporte para que elas cheguem à fase de estrela. Para isso, é importante que outras iniciativas, em especial em nível local, trabalhem as fases anteriores, produzindo startups em qualidade e volume para alimentar as fases seguintes.

5. Não reinvente a roda: faça alianças!
Existem hoje, no Brasil, iniciativas incríveis de gente competente em diversas áreas de apoio ao empreendedorismo. E como alguém que luta por essa causa a algum tempo, posso dizer que não é um trabalho fácil. Além das complexidades do trabalho em si, falta apoio, investimento  e patrocínio. Ainda assim, resultados muito interessantes vêm sendo alcançados. Não faz muito sentido que o governos ou entidades criem novas iniciativas para fazer a mesma coisa, partindo do zero, em uma área para a qual não tem predileção ou experiência – embora seja o que muitos vêm fazendo. Além de demorar mais para ver resultados, provavelmente em qualidade inferior, cria-se competição com as iniciativas já existentes, desestimulando o trabalho de quem já está atuando no ecossistema, algo que pode até retirá-los do mercado. Governos em geral são ambientes com pouca flexibilidade e abertura para inovação, por causa das amarras e regulações intrínsecas ao setor.  A lentidão e a burocracia criam amarras adicionais em toda atividade realizada pelo setor público.

Assim, nos locais onde ainda não existem iniciativas, pode ser uma ótima ideia chamar quem já tem experiência para expandir a atuação por ali. E onde já existem iniciativas, estas podem e devem ser reconhecidas e reforçadas. Ao invés de ser “mais um” fazendo também, o governo deveria prover reconhecimento, estímulo e apoio a quem já faz, agindo como um catalisador para a multiplicação e desenvolvimento do ecossistema.

No Start-Up Brasil essa foi uma premissa. O governo financia as startups, mas quem faz o filtro final de seleção e apoia na prática as startups são as melhores aceleradoras  privadas do país, que têm competência e experiência com o tema.

6. Não é só dinheiro…
Dinheiro é parte da solução, mas não é tudo. É preciso educação e formação dos empreendedores, uma cultura de colaboração que promova e valorize a inovação, espaços físicos que promovam encontros e conexões entre os agentes do ecossistema e uma regulamentação favorável. Há portanto, vários níveis de atuação que podem contribuir significativamente para um ecossistema melhor. Para quem quiser entender mais, recomendo a leitura desse paper da Up Global, entidade sem fins lucrativos com atuação em mais de 100 países, que apóia o empreendedorismo e identificou 5 ingredientes de apoio a um ecossistema.

7. Ajuda muito não atrapalhar
Ainda no campo regulatório, há muito espaço para a melhoria do marco legal e burocrático nacional, para que se incentive o empreendedorismo, em vez de desestimulá-lo, com processos mais simples e ágeis para abertura e fechamento de empresas, pagamento de impostos e estabelecimento de relações societárias, de investimento, trabalhistas e comerciais mais transparentes e justas, que, quando necessário, possam ser protegidas pela justiça com agilidade e segurança. Essa não é uma questão simples, até porque envolve competências que passam por diferentes órgãos, poderes e níveis da administração pública, de diferentes âmbitos geográficos (nacional, estadual e municipal). Mas, em todos os níveis, há iniciativas e incentivos regulatórios que podem ser criados. E isso ninguém mais além dos governos podem fazer.
8. Pense na continuidade

Um dos problemas em iniciativas governamentais é que o os governantes mudam e com eles, mudam os projetos. O exemplo do programa Seed é emblemático. Sem entrar no mérito das questões políticas de cada gestão, é importante para o desenvolvimento local que bons projetos não fiquem paralisados, a mercê de mudanças no poder. Esse é um paradigma difícil de quebrar, mas necessário. O mito de que o mérito de um novo governo não seria reconhecido numa continuidade e a premissa perversa de que se devem apagar os feitos do antecessor não cabem mais a uma democracia madura como a nossa. A sociedade saberá reconhecer decisões em prol de seu desenvolvimento.

Do lado prático, planeje a iniciativa para que tenha recursos disponíveis para sobreviver em períodos de mudanças políticas. A parceria com instituições privadas, responsáveis pela operacionalização da iniciativa é um bom caminho para garantir alguma autonomia e independência das iniciativas nesse período.

O ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, pai do Start-Up Brasil, selecionou por meio de edital público a Softex, uma instituição privada, para ser responsável pela gestão do programa, que recebeu recursos para suas atividades para 18 meses de operação. Além de ser uma parceria importante para o programa, por sua rede e competências, ela trouxe independência e autonomia para o período de transição política no governo federal, que estava por vir. Essa estratégia fez com que o programa tivesse sua continuidade garantida, pelo menos pelo primeiro ano da nova gestão do ministério, que permitira uma melhor avaliação eventual reorganização do programa, sem paralisar suas atividades.

Próximos passos
Pensando no momento do ecossistema brasileiro, acredito que demos passos importantes para o crescimento do setor nos últimos anos, mas ainda há pouco a avançar. Para mim, há três grandes áreas que carecem apoio:

1) Educação em empreendedorismo: para preparar e formar os novos empreendedores e realizar o potencial que já temos, é preciso mais investimento em formação e educação em empreendedorismo.

2) Envolvimento de grandes empresas: os investimentos feitos por anos, aceleradoras e fundos precisam gerar retorno no futuro para que o ciclo se feche e se perpetue. Nesse sentido, as grandes empresas devem enxergar na aquisição estratégica de startups um caminho para a inovação e é preciso sensibilizá-las, prepará-las e estimulá-las nesse sentido.

3) Atualização do marco regulatório: há diversos entraves regulatórios envolvendo as diversas fases do processo empreendedor, desde a abertura, operação e fechamento de empresas, até as atividades de contratação, investimento, internacionalização, além das questões tributárias. Apesar de alguns esforços, ainda pouco foi feito efetivamente para a promoção de melhorias significativas nesse ambiente.