Via Valor Econômico

 

O difícil quadro fiscal com que se defronta o Brasil tem suscitado intenso debate sobre qual seria a resposta governamental mais adequada. Nessa discussão duas premissas são consideradas irrefutáveis. A primeira é de que algo concreto e expressivo precisa ser feito com o objetivo de restabelecer o equilíbrio das contas públicas e resgatar a confiança do setor privado, recentemente minada não apenas pela pobreza do resultado primário, mas também pelo largo uso de manobras contábeis. A segunda tem a ver com o excessivo engessamento do gasto público. Receitas com destinação obrigatória e incontáveis exigências legais inviabilizam o ajuste das contas públicas pelo lado da despesa. A curto prazo, o gasto público é incomprimível, asseguram os especialistas.

Diante disso, fica-se com a impressão de que logo teremos pela frente mais aumento de carga tributária. Tal caminho, porém, nos parece inadequado, opinião que se baseia nos argumentos a seguir expostos.

Tese de que a despesa pública é incomprimível tem justificado o continuado aumento da carga tributária

Primeiro, para o país voltar a crescer é indispensável que se observe a retomada dos investimentos privados. Pesquisa conduzida pelo economista Carlos Antônio Rocca, do Centro de Estudos do Instituto IBMEC, baseada em ampla amostra de empresas que operam no Brasil, revela que, de 2010 a 2013, houve importante retração da poupança das empresas e, principalmente, queda do retorno sobre o capital, que caiu a menos da metade. Caberia então indagar: não seria esta a explicação do tão propalado recuo recente da confiança empresarial? Não seria este o principal fator explicativo da paralisação dos projetos empresariais, que ameaça a geração de empregos no futuro? É bem possível que sim. Corrigir esse quadro exige importantes ajustes microeconômicos, em especial simplificação e redução de tributos. Em suma, precisamos de menos impostos, e não mais.

Segundo, adaptação dos nossos relógios ao horário de verão envolve adiantá-los uma hora agora, revertendo-se tal movimento mais adiante. Com a carga tributária isto jamais acontece, ou seja, aumento no presente não significa redução no futuro. Novos impostos costumam ser permanentemente incorporados à estrutura das contas públicas, levando à perpetuação de gastos em patamar elevado.

Terceiro, a deterioração recente das contas fiscais não deve ser corrigida de imediato. Economias enfraquecidas que necessitem de ajuste fiscal, como é o caso do Brasil, devem promovê-lo aos poucos. Cortes de despesa devem ser negociados com o Congresso e anunciados com clareza, cuidando-se para que seus efeitos se materializem ao longo do tempo, e não de pronto. É o que em inglês se chama de ajuste “backloaded”, em oposição a “frontloaded”. De qualquer modo, é indispensável que seja crível, para o que muito contribuiriam algumas medidas pontuais, envolvendo a correção de certos preços e tarifas públicas, por exemplo, sinalizando-se a direção almejada.

 

Getty Images

 

Para que essa estratégia seja viável, é indispensável que se debata e reconheça o caráter insustentável da política de gasto público no Brasil, em curso há muitos anos, sendo de grande relevância que não nos conformemos com a ideia de incompressibilidade do dispêndio público. Isso pode e deve mudar.

Na verdade, a aceitação da tese de que a despesa pública é incomprimível tem servido de justificativa para o continuado aumento da carga tributária. Há décadas, confrontados com situações semelhantes à atual, governos diferentes têm decidido elevar e criar impostos, disso resultando carga tributária consideravelmente superior à das demais economias emergentes. Note-se que esse peso não inibe apenas grandes projetos empresariais, mas também a formação e o crescimento de pequenos e médios negócios, tradicionais geradores de emprego formal.

A rigor, existem três opções. A primeira é a que defendemos aqui, envolvendo mudanças concretas de legislação capazes de promover queda gradual da relação gasto público/PIB ao longo do tempo. Isso ajudaria a restabelecer a confiança, sem impor grandes sacrifícios a uma já combalida economia. A segunda envolveria aumentar a carga tributária, visando obter expressivo superávit primário, a prazo curto. Nesse caso, desapareceria de imediato todo e qualquer incentivo (remover-se-ia o ferrão, como se costuma dizer) para fazer o que precisa ser feito, dificultando-se ainda mais a retomada dos investimentos e do crescimento econômico. Para que cortar gastos se novas receitas se mostram disponíveis? A terceira consistiria em diminuir modestamente o dispêndio e elevar um pouco a carga de impostos, sem gerar superávit primário significativo e sem acenar com ajustamento fiscal robusto a prazos mais longos. Nessa hipótese, a confiança não seria resgatada e o quadro econômico poderia agravar-se sobremaneira, com sério risco de perda do valioso status de grau de investimento. Com a palavra os nossos governantes.

José Júlio Senna é chefe do Centro de Estudos Monetários do IBRE/FGV e ex-diretor do Banco Central.

 

Veja também a imagem!