Após a Segunda Guerra Mundial, dois modelos econômicos disputaram a hegemonia no mundo: o modelo capitalista norte-americano e o modelo socialista soviético. No seu livro “A Revolução Invisível”, publicado em 1975, Peter Drucker dizia que os Estados Unidos eram a maior república socialista de mercado do mundo e a União Soviética, o maior país capitalista de Estado.

A queda do muro de Berlim mostrou o fracasso do modelo soviético. O modelo dos EUA, construído com base em um mercado de capitais forte e na formação de uma poupança previdenciária crescente, permitiu o grande sucesso do desenvolvimento da nova economia com participação predominante dos trabalhadores americanos no capital das empresas via seus fundos de pensão.

Iniciativas recentes do governo brasileiro de aumentar sua presença na economia num retrocesso aos avanços obtidos desde o Plano Real tornaram o País menos atrativo para os investidores nacionais e estrangeiros. Nos últimos cinco séculos, os grandes avanços econômicos e sociais das nações deveram-se ao espirito empreendedor de seus povos, às inovações, aos veículos de financiamento desenvolvidos e às decisões de correr riscos.

Em seu livro “A Ascenção e Queda das Grandes Potencias”, Paul Kennedy apresenta as três economias ocidentais que lideraram o mundo nos últimos 500 anos: Espanha, Inglaterra e Estados Unidos. Nas suas trajetórias de ascensão, todas as três apresentaram as características acima mencionadas.

Destaco o papel dos veículos de financiamento no desenvolvimento destas potências. Quando as coroas espanhola e portuguesa precisaram financiar os empreendedores navegadores e as colonizações dos séculos XVI e XVII, elas tiveram que inovar na criação de veículos de financiamento dessas navegações. O professor Alfredo Lamy Filho se refere a elas no livro “Temas de S.A.” como tendo dado origem a “vários institutos do maior interesse para a vida do direito. Assim o empréstimo do dinheiro a risco, o foenus nauticum (ancestral do venture capital*) e o abandono liberatório, que limitava a responsabilidade do armador e sócios na viagem ao abandono do navio e fretes a seus credores (…). Essa limitação de responsabilidade, que viria a ser uma das maiores conquistas do milênio (S.A.s*), foi, sem dúvida, e continua sendo, um fator básico do desenvolvimento econômico, atraindo os homens para a ousadia de grandes empreendimentos que marcaram nossa civilização.”

Os exageros especulativos, por ocasião da Cia. das Índias Orientais, fizeram com que Inglaterra e França proibissem a constituição de empresas nessa modalidade jurídica, tendo a Inglaterra retirado tal proibição por ocasião da Revolução Industrial no século XVIII.

A necessidade de financiamento das inovações tecnológicas que garantiram à Inglaterra o domínio econômico do mundo ocidental por quase dois séculos restabeleceu o uso das S.A. para viabilizar os grandes empreendimentos nos setores têxteis, de siderurgia, geração de energia, transportes ferroviários etc. E a necessidade das empresas de captar recursos junto ao público estimulou a criação de um mercado secundário  (Bolsas de Valores)para negociação das ações e outros títulos de emissão das empresas.

Os Estados Unidos, que gradualmente assumiram a liderança da economia mundial a partir do final do século XIX, estimularam o espírito empreendedor e inovador de sua gente, utilizando-se dos mesmos veículos de financiamento e estruturas jurídicas das empresas que herdaram de seus colonizadores. Após a Segunda Guerra Mundial, novos elementos foram agregados a esse modelo norte-americano de desenvolvimento:

1. A importância de apoiar o crescimento de pequenas e médias empresas como forma de proteger o país de um processo de socialização semelhante ao da União Soviética. Em 1945, o senador Robert Taft defendia instrumentos de apoio a PME para evitar que um eventual governo socialista americano estatizasse com facilidade um pequeno grupo de grandes empresas transformando-se num pais de capitalismo estatal

2. O estímulo à criação dos fundos de pensão das grandes companhias norte-americanas para oferecer aos seus trabalhadores um benefício diferido por ocasião de suas aposentadorias em troca de aumentos salariais imediatos. Este instrumento fez com que trabalhadores se tornassem proprietários das maiores empresas americanas e fornecessem poupança de longo prazo para financiar os projetos inovadores de pequenos, médios e grandes empresários. Nas décadas de 1980 e 1990, foram cerca de 30 mil empresas apoiadas pelas indústrias de Venture Capital e Private Equity americano, das quais três mil abriram o capital em bolsa.

Em 1981, quando junto com Roberto Teixeira da Costa organizamos o primeiro seminário internacional sobre Venture Capital no Brasil, citei uma revista americana que dizia: “Nos Estados Unidos, durante 30 anos após a Segunda Guerra Mundial, o que era bom para a General Motors era bom para a economia americana. Agora dizemos que o que é bom para a pequena e média empresa é bom para os Estados Unidos”.

O grande aumento da produtividade norte-americana das décadas de 1980 e 1990 deveu-se ao surgimento de novas empresas inovadoras como Microsoft, Apple e Intel, entre muitas outras, responsáveis pela nova economia dos EUA. Elas também têm sido responsáveis pela maior quantidade de novos empregos.

Nas decadas de 80 e 90 foram 18,3 e 21,6 milhões de novos empregos criados nos Estados Unidos ,segundo estudo apresentado pelo prof.Edward Kim ,feito para a OCDE ,no evento HSM-IBMEC Mercado de Capitais e Direito Empresarial realizado na Expomanagement 2014

 O relatório da associação americana de Ventur Capital apresenta uma pequena amostra de empresas apoiadas pelo VC indicando o número de empregados que tinham por ocasião do IPO e sua quantidade em fevereiro de 2012:

Empresa                   Nº Empregados IPO                Nº Empregados 2/2012

Microsoft                 1.153                                           90.000

Intel                           460                                               100.100

Apple                         1.015                                           63.300

Home Depot           650                                               321.000

Os números acima são suficientemente expressivos para mostrar o papel que os instrumentos de Mercado de Capitais tem no desenvolvimento econômico e social dos países com sua contribuição para a geração de empregos e aumento da produtividade na economia

O Brasil poderá – com a indústria de Venture Capital, regulamentada por mim em 1994 pela instrução CVM 209, e de Private Equity, regulamentada em 2003 pela Instrução CVM 391, na presidência de Luiz Leonardo Cantidiano – apoiar o surgimento das empresas da nova economia brasileira, tal como ocorreu nos Estados Unidos.

Os resultados obtidos pelo VC/PE nos últimos anos já são significativos, conforme revela a mais recente pesquisa de consolidação de dados da indústria apresentada no último congresso da Abvcap – Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity, realizada em parceria com a KPMG.

Consolidação de Dados da Indústria de Private Equity e Venture Capital no Brasil

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É marcante a evolução da indústria nos últimos dois anos. Em 2013, o capital comprometido total aumentou R$ 17,1 bilhões, ou 21% em relação a 2012, após aumento de R$ 19,6 bilhões em 2012, ou 31% em relação a 2011. No acumulado de 2011 a 2013, houve crescimento do capital comprometido de 58%.

Em 2013, a maior parte do capital comprometido, R$ 70,7 bilhões (2012: R$ 52,7 bilhões), já havia sido efetivamente investida em empresas e R$ 28,5 bilhões (2012: R$ 28,7 bilhões) encontravam-se disponíveis para novos investimentos e despesas dos fundos. Adicionalmente, aproximadamente R$ 22,5 bilhões (2012: R$ 20,9 bilhões) já haviam sido retornados aos investidores.

É interessante notar que, em 2013, os investimentos acumulados cresceram aproximadamente 34% em relação ao ano anterior – um crescimento substancialmente maior que o do capital comprometido, de 21%. Em 2012, ambos os itens haviam crescido de forma similar. Desta forma, o volume de recursos disponíveis para novos investimentos em 31 de dezembro de 2013, embora similar em termos absolutos aos recursos disponíveis em 2012, decresceu de 35% (em 2012) para 28% (no ano seguinte) do total do capital comprometido.

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A relação Investimentos/PIB no Brasil foi de 0,37% em 2013, demonstrando um sensível crescimento em relação a 2012, que foi de 0,34%. Considerando a relação de investimentos sobre PIB dos EUA em 2013, 1,02%, é possível estimar que o mercado brasileiro teria potencial de atrair pelo menos R$ 49 bilhões de investimentos por ano, o que representaria 179% de aumento em relação aos investimentos reais de 2013.

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O total de empresas investidas durante o ano de 2013 foi de 186. O valor do investimento médio por empresa foi de aproximadamente R$ 95 milhões.

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É importante observar que muito embora o Venture Capital propriamente dito tenha crescido cerca de 35% em 2013, ele representou apenas 4% da alocação da indústria de VC/PE nesse ano. O BNDES e a Finep têm apoiado essa indústria com seus programas de apoio aos fundos de VC (Criatecs) e capital semente.

Enquanto os fundos de Private Equity fazem investimentos em empresas de capital fechado de maior porte (faturamento acima de R$ 150 milhões), os fundos de Venture Capital só podem investir em empresas até esse montante de faturamento/ano, que representa para as gestoras da indústria uma carga de trabalho muito maior para um mesmo valor de taxa de administração, e um prazo maior de maturação das empresas nas carteiras.

A cultura de curto prazo prevalece e é estimulada por uma legislação tributária, até hoje, incapaz de tratar diferentemente o investidor individual de curto e longo prazo no Brasil.

O surgimento mais recente da categoria de investidores individuais – chamados “Investidores-Anjos”, que colocam seus investimentos diretamente nas micro e pequenas empresas inovadoras, oferecendo-lhes um apoio na área de gestão e rede de relacionamentos – é mais um passo na direção de vermos as pequenas empresas encontrando oportunidades para crescer. Associada ao crescimento de número de incubadoras e de aceleradoras, acredito que finalmente temos uma estrutura de mercado de capitais voltada para o apoio à capacidade de inovação e geração de empregos das micros, pequenas e médias empresas.

Consciente dessa oportunidade, o Instituto IBMEC está lançando a Estratégia Nacional de Acesso ao Mercado de Capitais, democratizando o acesso de pequenas, médias e grandes empresas ao mercado de capitais, criando os Institutos Regionais de Mercado de Capitais, de norte a sul do País, com apoio dos agentes regionais e das grandes instituições do mercado. O objetivo é, através de uma rede crescente de distribuidores, permitir que trabalhadores e investidores de todos os portes, institucionais e individuais, participem do capital das empresas num autêntico socialismo de mercado – como se referiu Peter Drucker aos Estados Unidos em 1975, logo após a passagem da nova legislação, que transformou os trabalhadores norte-americanos em proprietários das maiores empresas dos Estados Unidos através de seus fundos de pensões.

O mercado de capitais brasileiro é um dos mais bem regulamentados do mundo. Ele oferece ao empresário os instrumentos tradicionais de abertura de capital, como lançamento de ações, debêntures e notas promissórias, bem como os veículos de captação de recursos para as empresas de capital fechado, como fundos de direitos creditórios, fundos de investimentos em empresas emergentes e fundos de investimentos em participação.

Além disso, os fundos imobiliários, os certificados de recebíveis imobiliários, as letras de crédito imobiliário, os certificados de recebíveis agropecuários, as letras de crédito agrícola, os certificados de direito creditório agrícola, os certificados de investimento audiovisuais, os certificados de potencial adicional de construção e os fundos de investimento em infraestrutura permitem que as empresas de todos os setores e também o governo acessem a poupança disponível na economia através do mercado de capitais.

Se o Brasil não aproveitar seu bônus demográfico e realizar uma reforma previdenciária, num regime de acumulação de poupança, que permita aos trabalhadores aumentar sua participação no capital das empresas nacionais, não resolveremos o problema da melhor distribuição da riqueza no País nem o do desenvolvimento econômico de longo prazo.

 

Thomás Tosta de Sá

Presidente executivo do Instituto IBMEC e ex-presidente da CVM

Novembro 2014