15/04/2014 – 05:00
Retrato da educação financeira
Por Danylo Martins
Em todas as regiões do país, 317 iniciativas, das quais 60% são gratuitas. Dos projetos, 45% são voltados ao
público jovem, com idades entre 19 e 29 anos. Ações com foco em crianças correspondem a 31%, sendo que,
desse percentual, 69% são programas sem custo. Do total de iniciativas levantadas, a maior parte é oferecida
por empresas públicas e privadas (47 %). Os dados, obtidos com exclusividade pelo Valor, fazem parte do
primeiro mapeamento nacional das iniciativas de educação financeira, cujos resultados completos serão
anunciados hoje, em evento na sede da BM&FBovespa, em São Paulo.
As mais de 300 iniciativas foram cadastradas, voluntariamente, no site da Associação de Educação
Financeira (AEF) entre setembro e novembro do ano passado. Esse número, contudo, corresponde a menos
de 40% dos projetos levantados pela associação ao longo dos três meses com o apoio de uma agência de
pesquisa – o total é de 803. “É a primeira fotografia e que servirá como base para novas pesquisas”, afirma a
superintendente da AEF, Silvia Morais.
Um dos pontos positivos observados a partir da análise dos resultados do mapeamento, segundo ela, é que a maioria das iniciativas está alinhada com as diretrizes da Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef), como gratuidade e imparcialidade (sem interesse comercial), além de oferecer informação, orientação e formação, conjunta ou separadamente.

 

Desde que foi instituída pelo governo brasileiro por meio do
decreto nº 7 .397 , de 22 de dezembro de 2010, a Enef passou a
servir de norte para ações que contribuíssem com o desenvolvimento da educação financeira no país. À
época, um dos primeiros passos foi criar o Comitê Nacional de Educação Financeira, o Conef, entidade que
reúne representantes do poder público, como Banco Central (BC), Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e
Ministério da Educação (MEC), além da iniciativa privada, com integrantes da Federação Brasileira de
Bancos (Febraban), Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) e
BM&FBovespa. No ano seguinte, nasceu a AEF, que assumiu a coordenação dos projetos.
Ainda em 2010, em agosto, o Comitê Consultivo de Educação da CVM, que deu origem à Enef, iniciou um
programa piloto com 891 instituições da rede pública de ensino médio, em seis unidades federativas (Ceará,
Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Tocantins e Distrito Federal), em parceria com o MEC. O projeto
durou até dezembro de 201 1 e consistiu em dividir as escolas em dois grupos: o que recebeu o projeto de
educação financeira, batizado de “grupo de tratamento”, e o que não recebeu (“grupo de controle”). Ao longo
do período, foram analisados, em ambos os grupos, os seguintes aspectos: conhecimento financeiro,
autonomia financeira, intenção de poupar, poupança efetiva e participação dos alunos nas finanças
domésticas. Os dados mostraram que, durante o intervalo, o nível médio de conhecimento financeiro dos
alunos do grupo de tratamento aumentou de 50 para 62, considerando uma escala de 0 a 100. Já no grupo
de controle, o índice subiu de 50 para 59.

 

Além disso, as avaliações indicaram que os alunos do grupo de tratamento demonstraram melhores hábitos
de poupança em comparação aos estudantes do grupo de controle. Mesmo assim, tal comportamento
diminuiu após um ano. Em dezembro de 2010, 63% dos alunos do grupo que recebeu o projeto de educação
financeira poupavam pelo menos uma parcela de sua renda (vinda de mesada ou salário de estágio),
enquanto 59% dos estudantes do grupo de controle guardavam dinheiro. Em dezembro de 201 1 , os
percentuais caíram para 59% e 55%, respectivamente.
O próximo passo, conta Silvia, da AEF, é estender o projeto piloro para instituições de ensino fundamental.
“Os livros estão prontos. Estamos na fase de captação de recursos com governo, empresas nacionais e
estrangeiras para montar o programa.”
Enquanto a iniciativa não deslancha, Silvia antecipa que os livros para estudantes do ensino médio, cujo
programa piloto terminou em 201 1 , serão disponibilizados na internet na primeira semana de maio. Os
professores, revela a superintendente da AEF, terão uma plataforma específica on-line, em que encontrarão
conteúdo, como vídeos e manuais, para apoiá-los na hora de ministrar aulas de educação financeira nas
escolas. “Qualquer escola, pública ou privada, poderá acessar a plataforma”, afirma.
Segundo Y velise Arco-Verde, secretária interina de Educação Básica do Ministério da Educação (MEC), o
objetivo do programa desenvolvido com as escolas não obrigará a criação de uma disciplina à parte de
educação financeira. “Trata-se de uma temática que fará parte do processo curricular”, diz. Como o assunto
será tratado na grade ficará a critério de cada escola, afirma.
Além do programa de educação financeira nas escolas, o assunto está na pauta dos principais integrantes do
sistema financeiro. Por meio de iniciativas individuais e parcerias, órgãos e entidades oferecem palestras,
cursos presenciais e à distância. Banco Central e CVM encabeçam a lista de novos projetos para este ano.
Secretário-executivo do Conef, o BC prepara o lançamento de dois cursos. “Estamos desenvolvendo um
curso de gestão de finanças pessoais em parceria com a Associação das Cooperativas do Brasil”, conta a chefe
do departamento de educação financeira, Elvira Cruvinel Ferreira. Gratuita, a iniciativa começa em
setembro e levará conceitos básicos de finanças para os integrantes das cooperativas. Outra novidade,
antecipa ela, é o lançamento de um curso on-line de finanças pessoais em parceria com a Escola de
Administração Fazendária (Esaf), do Ministério da Fazenda. Previsto para começar em 9 de maio, será
aberto ao público.
Após reformular em 2012 seu site voltado ao público infantil, a CVM prevê, ainda neste ano, o lançamento
de um curso de educação financeira para jovens, afirma José Alexandre Vasco, superintendente de proteção
e orientação aos investidores. “Com foco no público universitário, será lançado também o segundo livro da
série ‘Mercado de Valores Mobiliários’, cujo tema será relações com investidores [RI]”, diz. A ideia é
produzir, até o início de 2015, mais dois livros, cujos assuntos ainda não estão definidos.
Já a Anbima começa a preparar um projeto ambicioso na área de educação financeira: uma central de
informações sobre o investidor brasileiro. “A ideia é incluir dados por região, além de hábitos em relação aos
investimentos”, afirma Aquiles Mosca, presidente do Comitê de Educação da entidade. O trabalho está em
fase inicial, com a coleta de informações em instituições do mercado financeiro e em universidades. “Deve
demorar alguns anos, mas o objetivo é ter um esqueleto daqui a um ano”, conta.
Levar finanças pessoais para o público jovem também é uma aposta da BM&FBovespa, que até recentemente
tinha um programa na TV Cultura. Hoje, os vídeos são encontrados no Y ouTube, diz Marita Bernhoeft,
diretora de comunicação, RH e educação. Já a Febraban mantém o site “Meu bolso em dia”, com conteúdo
básico de finanças pessoais, além de um curso pago sobre o assunto. Neste mês, a entidade lançou um
serviço gratuito de tira-dúvidas sobre a declaração de Imposto de Renda.Apesar de embrionárias e pontuais, as iniciativas de educação financeira na sociedade brasileira finalmente
começaram a sair do discurso e estão cada vez mais na ordem do dia. Mas o caminho ainda é longo, avaliam os especialistas, conforme mostra reportagem “Iniciativas ainda são embrionárias, dizem especialistas”.