Via Startupeando

 

Quando você tem um blog chamado Startupeando e afirma, categoricamente, que as startups e seu ecossistema estão simplesmente assassinando excelentes oportunidades de negócio você só pode estar ficando louco. Felizmente, já nasci com esse mal. Não estou ficando louco, já o sou, caso contrário não teria escolhido um dia a carreira de jornalista. O fato é que o tempo passa, ficamos velhos e gostamos de jogar conversa fora – e algumas delas simplesmente revelam coisas assombrosas e grandes ideias.

 

Não foi a primeira vez. Em outras oportunidades vi excelentes ideias de negócio e boas oportunidades de tirar o pé da lama serem descartadas sem pudor em nome da perseguição do sonho de ter uma startup. “Escalável”, diz a cartilha, e essa é a origem de todo o mal.

 

O “causo”

 

 

Um fim de semana em companhia de novos amigos na região do ABC Paulista. Churrasco, cerveja e papo jogado fora. Todos sabem que sou autor (“O Empreendedor Viável“, Ed. Leya) e entusiasta na área de empreendedorismo – depois de algum tempo, as pessoas simplesmente falam, e nesse final de semana ouvi algo sensacional. Um camarada criou uma espécie de horta hidropônica inteligente – ela praticamente funciona sozinha, embora exija alguma programação na hora da instalação. Poderia ser apenas uma boa ideia, como muitas, não fosse o fato do rapaz já ter de fato montado seu protótipo e, sem perceber, esbarrado em dois ou três clientes.

 

O que havia de errado com a ideia? Nada. Bem, ao menos na minha opinião. Na opinião dele, o problema era a escalabilidade – como ele não conseguira criar um sistema único e replicável, não seria possível criar uma startup a partir de sua ideia. Pouco importava o fato de que dois síndicos da região já haviam abraçado a ideia, pedindo cotações para a montagem. O rapaz argumentou que em cada caso seria necessário haver um projeto específico e que não havia como montar um produto único e reproduzi-lo indefinidamente.

 

Você ouviu direito: dois condomínios inteiros queria pagar para ter a horta inteligente, mas isso não era bom o suficiente. Bom é ter um MVP – o resto… bem, é o resto.

 

Reféns de uma arapuca

 

Não pude me conter. Disse ao colega que vendesse os projetos e enfiasse o dinheiro no bolso – depois ele que voltasse a trabalhar em um MVP. A culpa não é de Eric Ries, nem de Steve Blank ou de Jobs, ou de qualquer outro de nossos gurus. A culpa é nossa. Nenhum deles mandou, em qualquer parte de suas muitas contribuições e publicações, que desistíssemos de um produto viável em favor de um produto MÍNIMO viável. O que vende e dá lucro pode e deve ser tocado adiante – pouco importa se é ou não “repetível”.

 

Tornamo-nos reféns de arapucas malucas que devem ser testadas até que um ou outro investidor ou celebridade do segmento bata palmas. Mas, de novo, a culpa também não é deles. Investidores precisam garantir que seu negócio tenha proporções suficientes para que justifique os aportes que eles pretendem fazer. E celebridades, bem, elas têm de comer.

 

O empreendedorismo não deve ser confinado dentro de uma filosofia. Excelentes negócios que hoje são tão “repetíveis” quanto startups surgiram simplesmente de produtos que foram criados para atender a um ou a outro cliente. Talvez seja a hora de fuçar o lixo das startups e ver quantas grandes ideias foram ali descartadas em nome da receita de bolo digital que alguém colocou em um quadro branco com canetinha, ao lado de um diagrama do Canvas.

 

Startup 101

 

A máxima lição da cultura empresarial das startups não está no MVP ou mesmo no ganho de escala desenfreado e a qualquer custo e sacrifício. A filosofia startup tem muito mais a ver com oportunidade e resolução de problemas, e nem todos os problemas afligem a humanidade inteira, e nem a todos os indivíduos do mesmo modo. A busca pelo dinheiro supostamente fácil e pelo produto que todos teoricamente querem comprar está enchendo de ouro e grandes ideias as latas de lixo do empreendedorismo e de lixo os palcos dos famigerados eventos sobre os quais já falamos aqui.

 

Talvez seja a hora de realizarmos um novo tipo de evento, onde ouviremos pitches e apresentações de NÃO-startups. Contem comigo lá, inclusive para dar uma força na base do braço. Afinal, antes de pensar fora da caixa, é preciso carregá-la até algum lugar.