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Alagoana de nascença e paulistana de criação, Ana Fontes, idealizadora e fundadora da Rede Mulher Empreendedora, começou a trabalhar cedo, aos 14 anos. Na época da faculdade, vendia doces para ajudar os pais a pagar a mensalidade e foi neste período que teve sua primeira experiência empreendedora. Formada em Jornalismo e Publicidade e Propaganda, Ana entrou de cabeça no mundo de start-ups em 2008, alguns meses depois de largar o emprego estável de 17 anos.

Especialista em Marketing e Modelo de Negócios, Ana Fontes gosta de empreender, mas mais do que isso, para ela seu trabalho precisa influenciar e agregar na formação de outras pessoas para estar completo.

Confira a conversa da equipe da Evernote com a Ana, uma pessoa que tem um papel importante na promoção do empreendedorismo no Brasil.

Evernote: Conte um pouco sobre a sua trajetória.

Ana Fontes: Trabalhei no ambiente corporativo até o final de 2007, quando decidi deixar a empresa que eu estava há 17 anos. O que me motivou a sair do meu emprego como gerente de marketing e relacionamento foi, principalmente, as minhas filhas. Eu precisava ter mais flexibilidade com meus horários, pois queria me dedicar mais a elas.

Nesse momento eu ainda não sabia direito o que ia fazer, nem como, e nem com o quê eu ia trabalhar. Não tinha muita certeza que rumo ia seguir, se seria empreendedora ou não. Fiquei um período em casa, e me transformei numa legítima dona de casa. Fiz praticamente uma desintoxicação do mundo corporativo por oito meses. Nessa época eu só sabia o que não queria mais fazer. Não queria voltar a um modelo de trabalho tão rígido como antes.

Após a chegada da minha segunda filha, conversei com mais dois amigos e abri meu primeiro negócio, um site de elogios na internet, o Elogie Aki. Foi o primeiro site neste sentido no Brasil, e é o único até hoje. O objetivo era criar um ambiente onde as pessoas pudessem recomendar empresas, produtos e profissionais de uma forma positiva.

No meio da sociedade eu entrei em um processo seletivo do programa10.000 Mulheres, um projeto gratuito para capacitação de mulheres empreendedoras da Fundação Getúlio Vargas e da Goldman Sachs. Foi neste programa que eu vi as reais dificuldades do mundo de pequenos empreendedores, pois a minha experiência ainda era do mundo corporativo, onde eu tinha todo um aparato por trás que, quando você é empreendedor, você não tem. Por exemplo, se eu queria contratar alguém era só chamar o RH, e quando você está sozinho não tem nada disso e mesmo assim precisa fazer com que seu negócio fique de pé.

Na minha época foram mais de mil mulheres inscritas na minha turma, onde apenas 40 passaram. Isso me deixou muito incomodada, pois eu percebi que como eu, haviam várias mulheres querendo empreender ou empreendendo e faltava para elas uma fonte de apoio. Foi então que eu resolvi criar a Rede Mulher Empreendedora. Começamos apenas como um site, de uma forma muito simples, onde eu e uma colega colocávamos nossas dúvidas, como chegávamos à conclusão de problemas do dia a dia do nosso negócio. Quando eu vi a Rede havia se transformado em uma plataforma gigante de apoio às mulheres empreendedoras. Ela foi a primeira do Brasil e hoje é a maior, com mais de 200 mil mulheres que recebem conteúdo diariamente, trocam informações e têm um ambiente onde elas podem se ajudar mutuamente.

Durante este trajeto eu saí da sociedade do Elogie Aki e fiquei sozinha com a Rede Mulher Empreendedora, onde estou até hoje. Além disso, promovo eventos, tanto focados em mulheres como empreendedores em geral, como a Virada Empreendedora, um evento anual de apoio a quem está empreendendo, criando um negócio e precisa se desenvolver. Nesse momento eu vi que o ambiente empreendedor, com o objetivo de apoiar os empreendedores, virou o meu trabalho, minha referência de vida. Hoje, além dos negócios, eu também dou aula no programa de ambiente empreendedor no 10.000 Mulheres, no Insper — no programa Empreendedorismo em Ação — e ajudo em competições, júris e bancas. Essa é hoje a minha vida.

Eu preciso estar muito conectada, porque faço muita coisa ao mesmo tempo, como boa parte dos empreendedores.

Tento transformar, ajudar esse ecossistema a ter um ambiente mais amigável para os empreendedores, para que eles possam se desenvolver — claro que não sozinha. Acredito que o empreendedorismo é o que de fato vai ajudar a mudar o nosso país.

Evernote: Você acha que o Brasil está no caminho certo do empreendedorismo?

Ana Fontes: Acho que a gente tem muita coisa para fazer ainda. Eu tenho dúvida sobre o caminho certo porque ainda temos muitos entraves. Temos a questão cultural, pois não temos uma cultura empreendedora, não aprendemos desde cedo que abrir seu próprio negócio é algo legal. Além de outros entraves mais conhecidos, como o burocrático, legal, a questão dos altos impostos, que também não ajudam em nada este mercado. Se não fosse isso, acredito que teríamos um caminho um pouco mais tranquilo. Mas mesmo com todo esse ambiente hostil que a gente tem, o empreendedor é por natureza uma pessoa otimista, e não dá para ser diferente. Com isso ele cria caminhos, segundas vias para conseguir ter um ecossistema que funcione. Segundo a minha percepção ainda é um ecossistema que falta muito a ser construído. Analisando isso tudo, eu diria que estamos trilhando um caminho, mas ainda não está claro se estamos no caminho certo. Acho que vamos acertando durante o processo.

Evernote: Qual foi sua motivação para começar a empreender?

Ana Fontes: Exatamente por não termos essa cultura, ter um negócio não estava nas minhas referências. Na minha época, ter um negócio era algo completamente distante dos sonhos de qualquer pessoa. O sonho era estudar, entrar em uma boa universidade e trabalhar em uma grande corporação. Essa referência de empreendedorismo não estava presente no nosso dia a dia, apesar disso, durante o meu primeiro ano na faculdade, em 1989, eu abri um negócio informal com uma colega, sobre eventos. Mas como não sabíamos nada dessa área, fechamos em um ano. Nesse período da universidade eu também vendia bolos, tortas, doces para ajudar a pagar a mensalidade, então, na verdade, empreender sempre esteve no meu dia a dia, mas não com essa palavra e nem com a percepção que temos hoje. Era muito no “vamos fazer para ver se vai dar em alguma coisa” e “vamos ver se acontece”. Nada era feito com referência.

O gatilho para eu entender que empreender era o caminho foi perceber que eu não me identificava com o modelo corporativo o qual as grandes empresas trabalham. A necessidade do presencial, de você precisar estar ali, onde você é avaliada por diversos outros fatores que não são, necessariamente, desempenho ou competência. Isso já me movimentou para não querer fazer parte desse mundo.

Outro fato que me motivou foi quando pensei que podia criar “alguma coisa que tenha propósito, algo que eu me identifique e que eu posso transformar do jeito que eu acho que faz sentido, de acordo com os meus valores de vida”. Não foi com essa percepção bonita que eu falo hoje, mas foi entendendo que aquilo era uma via que fazia mais sentido para mim e, a partir daí, que eu vi empreender como uma opção, onde era possível continuar na ativa como profissional, construir alguma coisa e criar algo que as pessoas gostem de estar junto também. Claro que a possibilidade de ter um horário mais flexível e dar mais atenção às minhas filhas fez também uma grande diferença. Hoje eu não trabalho menos, trabalho até mais do que antes, mas eu tenho uma palavrinha mágica que se chama flexibilidade, que eu não tinha antes. Hoje eu consigo leva-las na escola, resolver alguma questão durante o dia e trabalho no horário que faz mais sentido para mim.

Uma curiosidade de hoje é que tenho muitos chefes. O pessoal acha que por ser empreendedora você não tem chefe e isso é uma grande bobagem, a gente tem muitos chefes, que são nossos clientes, parceiros…

Mas tenho uma liberdade de construção, de trocas, de ideias, que o mundo corporativo, no modelo que tem hoje, não te permite.

Evernote: Você acha que a procura por mais flexibilidade é a tendência nos dias de hoje?

Ana Fontes: O que eu mais tenho visto nestes últimos oito anos é que as pessoas não procuram trabalhar menos, o que eu ouço das pessoas é “eu quero trabalhar, fazendo aquilo que eu gosto, e entendendo que aquilo é um propósito”. Elas não querem mais trabalhar no modelo automático, onde as pessoas cuidam apenas da sua área, do seu quadradinho, e não olham o resto. Nessa linha, eu vejo que o modelo de trabalho que temos hoje nas corporações precisa ser reinventado. Algumas empresas já estão trilhando este caminho da reinvenção, mas a grande maioria ainda não.

Evernote: Qual o seu conceito de felicidade no trabalho?

Ana Fontes: Para mim, felicidade no trabalho é trabalhar em algo que eu acredito, que tenha um propósito, se aquilo me faz feliz, e que eu entenda que o meu trabalho pode causar impacto na vida de outras pessoas, e não simplesmente cumprir uma tarefa.

Se você me perguntar hoje se eu voltaria ao mundo corporativo, no modelo que temos hoje, não. O modelo que foi construído não lhe dá abertura para que você faça o que tem de melhor, ele quer a presença física quando na verdade deveria querer a presença intelectual de cada um para a construção de coisas. Com pessoas que questionem, falem, troquem e tragam um ambiente de maior colaboração e menos de competição.

Evernote: Vemos hoje muitas empresas dando lugar a baias e salas fechadas, para plantas mais abertas. Você vê o trabalho colaborativo como algo que está crescendo?

Ana Fontes: Sim! As empresas foram criadas no período da Revolução Industrial, no mundo da competição, onde você simplesmente deve ser melhor do que os outros e não importa a qual custo. De repente as empresas perceberam que isso não funciona, você precisa ter um mundo de colaboração. Hoje quem é seu concorrente pode ser seu parceiro mais para frente, e com isso as empresas entenderam que a colaboração é o nome do jogo. Isso tudo é um processo, não é uma chave que a gente vira da noite para o dia. Tem a ver com estrutura, pois não adianta querer um ambiente colaborativo com todo mundo em suas salas de vidro, seus aquários fechados. Você precisa ter um ambiente que promova essa colaboração.

Só o ambiente físico também não é o suficiente, ele ajuda, mas você precisa ter ferramentas com que a pessoa trabalhe em casa, por exemplo, pois tem dias que você não está bem para estar no ambiente corporativo, com outras pessoas. Você vai render muito mais para a empresa estando na sua casa. Isso é uma reinvenção muito forte de modelos de trabalho.

Evernote: Entrando neste conceito de Home Office, você acha que a tecnologia contribui para aumentar essa flexibilidade de trabalho?

Ana Fontes: Sou adepta e já trabalhei no modelo de Home Office, acho que como uma combinação no trabalho é um modelo perfeito. Já trabalhar o tempo todo em Home Office não é produtivo como nada o tempo inteiro é produtivo. Se você ficar muito tempo em casa, você acaba não tendo interação. Mas quando você precisa de um momento de mais reflexão e planejamento é muito melhor ficar em casa. Por isso eu acho que a combinação dos dois modelos é a melhor solução. Vai trazer um ambiente bacana para quem trabalha em qualquer modelo, seja ele empreendedor ou do ambiente corporativo. Para isso, a tecnologia tem que ser muito amiga, muito parceira de quem adota esses modelos.

Evernote: Você acha que uma equipe feliz acaba sendo também mais produtiva? Você se preocupa em motivar aqueles que trabalham com você?

Ana Fontes: Além das atividades que falei antes, eu tenho também um espaço de co-working, com isso tem vários empreendedores que trabalham no meu espaço e meus funcionários juntos. Ambiente mais colaborativo, impossível. O que a gente sempre preza é que a pessoa esteja bem, que ela venha para o ambiente de trabalho e que com isso ela se sinta bem. Mas claro que se precisar trabalhar de casa, ela precisa ter essa opção, isso deve ser a escolha de cada um.

Procuro trabalhar muito com o equilíbrio, porque assim as pessoas ficam mais tranquilas, podem fazer o que for melhor para elas e para a empresa.

Evernote: Esses espaços de co-working estão fortalecendo o conceito de produtividade? Quais benefícios você vê para trabalhar neste formato?

Ana Fontes: É um ambiente que fisicamente favorece, por ser um local mais aberto, onde as pessoas olham umas para as outras, veem em algum momento o que as outras estão fazendo e isso acaba incentivando a fazer melhor, trabalhar em parceria, estar mais junto, ouvir o outro. Ajuda você a ser mais condescendente, pois ali existem pessoas que não fazem parte do seu negócio interagindo no mesmo ambiente de trabalho que você. Para mim é um ambiente fantástico, onde você pode fazer contato e conhecer novas pessoas. A grande questão é que, como toda tendência, como todo modelo novo de trabalho, as pessoas precisam se adaptar. Já tive pessoas que vieram trabalhar no meu ambiente de co-working e me disseram que não gostavam de trabalhar neste tipo de local aberto. Mas a partir disso a pessoa precisa fazer uma escolha, ou ela volta a trabalhar em uma sala fechada, ou quando ela perceber que aquilo faz sentido, ela se adapta. O mais importante é você identificar como cada pessoa rende melhor.

Evernote: Para finalizar, o que você considera sucesso?

Ana Fontes: Para mim é sucesso eu fazer o que gosto, poder viver daquilo que eu gosto e poder contribuir e ajudar outras pessoas.

Se eu for fazer o que eu gosto, mas isso não ajudar ninguém, então não faz nenhum sentido. Essa é a minha equação de sucesso.